terça-feira, 23 de março de 2010

No elevador...

por Israel Mendonça

Quando o elevador chegou, ela já estava lá. Vestido branco, notebook, perfume. Seus olhos azuis não eram acessórios. Brilhavam. Entrei.

O espaço era pequeno; a nossa permanência nele, menor. Esboçando um sorriso, já ouvindo uma resposta, resolvi dividir, com uma estranha, o primeiro desejo do dia: queria que aquela manhã de segunda-feira fosse um dia bom. Cheio de esperança, disse: bom-dia. Silêncio. Não houve resposta. Maior que o espaço onde estávamos, foi o silêncio.

Por que ela não respondeu? Estava preocupada com os problemas que enfrentaria naquela segunda-feira? Seu café da manhã ainda descia pela garganta, impedindo-a de emitir qualquer som? Usava a telepatia, sem saber que eu ainda não tenho esse dom?

Olhando fixamente para o painel que marcava a passagem pelos andares - quatro, três, dois - fiquei com as perguntas. Elas foram companheiras de viagem. Uma viagem longa, estranha, constrangedora. Sem respostas.

Eu que entrei no quinto andar com meus cinco sentidos ainda adormecidos, pensava sobre aquele momento. Moro no quinto andar. Seria o quinto andar um andar inferior? Não. Isto não faz sentido. Não sei o que faz sentido. Chegamos à garagem. Portas abertas. Saimos do elevador para vivermos a segunda-feira. Em silêncio.

6 comentários:

Raiça Bomfim disse...

Pude seguir seus passos nesse estranhamento cotidiano, semente da poesia. Vi a moça de olhos brilhantes, a distância entre um e outro um (em que mundo viverá? e com quem?),senti a densidade do ar num silêncio torturante. Outras perguntas saltaram do meu quinto andar, "quantas paredes há no edíficio?" etc etc. Quando abriram-se as portas do elevador, ratifiquei, "eu prefiro abrir as janelas pra que entrem todos os insetos"!

Delícia ler-te!

Beijo grande,
Raiça
http://www.raibomfim.blogspot.com/

Déborah Dória disse...

Israel! Gostei muito do texto. Descreve muito bem o que acontece há todo instante. Não tem algo que me comova mais(leia-se: negativamente) do que não ser cumprimentada, digamos assim. Meus pais brincam que a minha palavra predileta é: BOM DIA, BOA TARDE e BOA NOITE. Às vezes até brigam comigo, porque segundo eles, eu dou bom dia à Deus e o mundo. Sabe, mas eu continuo insistindo! Eu sei que mesmo que não me respondam, alguém irá me responder, ou apenas sorrir. Cada um tem a sua maneira de cumprimentar, não é mesmo? :)

Guilherme Grillo disse...

Moro na ladeira da Barra e todo dia desce um sujeito com sua irreverente bicicleta com fitas verde e amarelas e uma bandeira do Brasil. Pára, apita para um porteiro e canta alto: Fiiiiiiiiiiiiiiigaroooooooooo...figaro fá...fígaro fó! Fíiiiiiiiiiiigaroooooooo....

Uns acham engraçado, enquanto eu acho aquilo maravilhoso e canto junto, sempre. Logo, meu prédio virou parada obrigatória!

Inconformado, contudo, com tamanha alegria, o síndico proibiu-o de cantar na frente do prédio, numa vã tentativa de calar o mundo que não lhe pertence.

Fíiiiiiiiiiiiiiiiiigaroooooooooooooooooooooooo

Anônimo disse...

adorei o texto. mais ainda tê-lo encontrado depois de tanto tempo.
um grande abraço, israel.
orlando

Regina Luz disse...

Isra...muito legal a crônica.Que incômodo! E assim a vida segue seu curso....Beijo. Para vc um BOM DIA!!!

Duane. disse...

Já aconteceu comigo várias vezes! Encontrar pessoas mal educadas ou tão fechadas que não dão nem um bom dia.
Gostei do texto professor.
Beijo