quinta-feira, 12 de março de 2009

Entrelinhas do óbvio

publicado no caderno Vestibular do jornal A Tarde
por lívia corrêa

Somente depois de uns sete anos dando aulas de redação e literatura para o vestibular, tive um insight: o mais difícil para o pré-vestibulando não é passar ou perder, mas aceitar que vai fazer vestibular. Passar ou perder duram apenas alguns segundos. É o espaço de tempo gasto na leitura de uma linha – ou da ausência dela. Aliás, passar ou perder são conseqüências dessa aceitação, que é um processo muito mais longo, complexo e sutil.

Até o momento em que somos pressionados a decidir que opção profissional escolher, parece que “a coisa” não está exatamente acontecendo. Geralmente esse é um processo totalmente inconsciente. A gente sabe o que tem que ser feito para chegar até onde estão os nossos desejos, mas por algum motivo nos dispersamos. Difícil começar a meter a mão na massa. Às vezes demora meses para começar a entender. Às vezes demora anos. É preciso reconhecer o óbvio para poder internalizá-lo, dominá-lo e ultrapassá-lo.

É nas entrelinhas desse óbvio que a gente percebe a diferença entre um aluno e outro. Um lê que o samba é tristeza que balança e pensa “pois é”. O outro lê a mesma coisa, começa a ouvir os velhos sambistas, aprende a sambar, percebe o conflito entre classes, a brasilidade, a mercantilização de nossas origens, escreve um sambinha, compõe. Enquanto um olha, o outro mete a mão na cuíca.

O que difere um do outro? Qual deles está mais preparado? Por quê? Como começar o processo? Há uma fórmula que garanta uma vaga numa boa universidade? Afinal, quais são as expectativas das universidades com relação aos alunos?

Essa coluna é pra responder com entrelinhas as perguntas que, embora óbvias, parecem guardar as chaves que abrem os portões do inferno ou do paraíso. Esta é uma coluna inteirinha só de entrelinhas. É para tentar responder as perguntas que, de tão simples e repetitivas, parecem não ter respostas convincentes.

3 comentários:

Fred (Irmão de Carol) disse...

Talvez por serem repetidas acabam sem respostas...
Diria um maluco alemão que em toda pergunta há a resposta!
Será que quem faz vestibular quer se fazer a pergunta?
Nessa linha, aparentemente, tautológica por assim dizer, trago a resposta.
Não problematizamos o nosso ser e roemos as unhas com a possibilidade de fazê-lo.
Mas quando roemos unhas o estômago dói, o dedo diminui as mãos reclamam.
Damos a resposta à pergunta que ao não fazer, fazemos.
Daí a necessidade de muita poesia para fazer falar o que está preso na sujeira das unhas e que faz cerrar os dentes.
É neste "silêncio 'metafórico', uma linguagem poética que diz e que não diz, que 'desvelamos' o nosso ser angustiado"!
Obrigado pela angústia...
retribuo com poesia.

Fred disse...

Traduzindo, quando se pensa que não se faz a "pergunta fundamental", em verdade ela está sendo pensada enquanto escrevo essas palavras e as leio. E a resposta, vem dos dedos carcomidos e dos olhos ansiosos pela réplica.

Fred disse...

"E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio"
"O homem; as viagens
(...)ao acabarem todos,
só restará ao homem
(será que estará equipado)
a difícil dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
por o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene insuspeitada alegria de conviver"